A história do violão moderno e suas raízes é fascinante e cheia de nuances. O violão moderno não surgiu de repente; ele evoluiu gradualmente a partir de instrumentos antigos, absorvendo características de culturas diversas e sendo moldado por luthiers e compositores ao longo dos séculos. Por isso, conhecer suas raízes nos permite entender sua relevância musical e seu poder expressivo.
Antecessores do Violão: Cordofones da Antiguidade

Ao voltarmos nossos olhos para a Antiguidade, encontramos os primeiros cordofones, como a harpa, a lira e a cítara. Esses instrumentos, amplamente utilizados nas civilizações egípcia, grega e mesopotâmica, já revelavam conceitos fundamentais presentes no violão atual, como a ressonância natural e o dedilhado. Ainda que rudimentares, eles abriram caminho para uma longa linhagem de instrumentos que evoluiriam com o tempo.
Guitarras Medievais: Mourisca e Latina
Com o avanço para a Idade Média, duas formas distintas de guitarra ganham destaque: a guitarra mourisca, de influência árabe, e a guitarra latina, mais próxima do violão contemporâneo. Enquanto a primeira possuía cordas duplas e corpo ovalado, a segunda apresentava um formato mais estreito e um braço mais longo, o que possibilitava uma maior extensão melódica. Além disso, o alaúde, muito valorizado entre os trovadores e músicos cortesãos, colaborou com técnicas que mais tarde seriam adotadas pelo violão.
Renascimento e Vihuela: A Raiz Erudita
Durante o Renascimento, particularmente na Espanha, surge a vihuela, um instrumento refinado, com seis ou sete pares de cordas e afinação semelhante à do violão moderno. Em paralelo, a guitarra de quatro cursos era tocada pelas classes populares. A vihuela, contudo, tornou-se símbolo da música erudita ibérica, sendo adotada por músicos cultos e inserida em contextos formais. Dessa forma, ela consolidou um repertório que influenciaria diretamente a estética do violão posterior.
Guitarra Barroca e Gaspar Sanz
Ao entrarmos no período barroco, destaca-se a guitarra de cinco ordens. Um nome fundamental desse tempo é Gaspar Sanz (1640–1710). Educado na Universidade de Salamanca, Sanz também estudou em Nápoles, onde absorveu influências italianas que enriqueceram seu estilo.
Sanz não foi apenas compositor: ele também deixou um legado didático importante por meio do tratado “Instrucción de Música sobre la Guitarra Española”. Essa obra reúne peças que, até hoje, figuram em recitais e métodos de ensino.
Principais composições de Gaspar Sanz:
- Canarios
- Folías
- Españoleta
- La Minona de Cataluña
Tais obras, mesmo passados séculos, continuam relevantes no repertório violonístico, demonstrando a força da tradição espanhola no desenvolvimento do violão moderno.
Do Barroco ao Romantismo: A Transição do Formato
Na transição para o final do século XVIII, surgem inovações técnicas decisivas. A substituição dos pares de cordas por cordas simples resultou no violão de seis cordas, tal como o conhecemos hoje. Esse novo formato possibilitou uma abordagem mais virtuosa, mais precisa e mais afinada com os ideais clássicos e românticos da época.
É nesse contexto que dois compositores se destacam: Fernando Sor e Mauro Giuliani.
Fernando Sor: Clássico e Lírico
Conhecido como o “Beethoven do Violão”, Fernando Sor (1778–1839) nasceu em Barcelona e teve formação musical ampla. Atuou como compositor de óperas, balés e, sobretudo, obras para violão. Viajou por diversas cidades europeias, como Paris, Londres e Moscou, onde seu talento foi amplamente reconhecido.
Sor defendia o violão como instrumento de concerto. Por esse motivo, suas composições apresentam equilíbrio formal, lirismo e sofisticação harmônica.
Obras mais conhecidas de Fernando Sor:
- Estudos op. 6 e op. 29
- Grande Sonata op. 22
- Fantaisie élégiaque op. 59
- Variations sur un thème de Mozart (sobre A Flauta Mágica)
Essas obras não apenas enriquecem o repertório clássico, como também são adotadas em conservatórios do mundo inteiro, tanto por sua beleza quanto por seu valor pedagógico.
Mauro Giuliani: Virtuosismo Romântico
Por outro lado, temos Mauro Giuliani (1781–1829), italiano natural de Bisceglie, que viveu muitos anos em Viena. Giuliani era virtuose e teve contato com grandes nomes da música vienense, como Beethoven, com quem chegou a tocar em performances de câmara.
Sua técnica apurada e musicalidade refinada o colocaram entre os mais importantes violonistas do século XIX. Sua obra apresenta influência da ópera italiana e exige destreza técnica dos intérpretes.
Composições notáveis de Giuliani:
- Rossiniane (variações sobre temas de Rossini)
- Grand Overture op. 61
- Concerto op. 30 para Violão e Orquestra
- Estudos op. 139
Além de serem desafiadoras, essas peças refletem o espírito romântico e o papel do violão como instrumento solista e de câmara.

Antonio de Torres Jurado: Arquitetura do Violão Atual
Por fim, é impossível falar das raízes do violão moderno sem citar Antonio de Torres Jurado (1817–1892). Esse luthier espanhol revolucionou o instrumento ao modificar sua estrutura interna, aumentar o tamanho da caixa de ressonância e desenvolver o famoso leque harmônico.
Torres estabeleceu os padrões acústicos e visuais do violão atual, permitindo maior projeção sonora e equilíbrio entre os registros. Suas inovações foram adotadas por gerações de luthiers e permitiram que o violão conquistasse as grandes salas de concerto.
A jornada histórica do violão moderno revela um caminho de evolução constante, marcado por intercâmbio cultural, avanço técnico e criatividade musical. Cada figura, de Gaspar Sanz a Antonio de Torres, colaborou para que o violão se tornasse o instrumento plural, expressivo e respeitado que é hoje.